sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

fotossensibilidade

Meu mundo é um quarto escuro
de uma única mobília
Alguns entram,
E logo se impacientam
não dá pra ver nada
                                    Desistem e saem.
Outros tentam chegar
Escorando pelas paredes
            Adiantam-se até a metade
Mas voltam 
e na saída
            deixam jogados nalgum canto
            algo do qual desejavam há tempos
                        se desfazer
                                               [ninguém vem aqui mesmo]
Estou no canto oposto
Mas ocupo quase todo o espaço
Aqueles que em mim
Com furor, adentram
Ferem-se nas minhas quinas
E saem do cômodo praguejando
            - estúpida!
Mas ainda
há poucos insistentes
tateiam-me carinhosa e
vagarosa
Não se assustam com as pontas
E surpreendem-se com os vértices
arredondados
de minha
alma.
Depois de um tempo
Eles querem
Me puxar para a porta
E inerte, resisto
            Sou pesada
Permaneço naquele canto
E também eles vão embora
Sem antes descobrirem
Meu coração macio
Reservado àquele que conseguir
Amar mais a minha noite

Do que o dia dos demais.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Ao meu quinto motivo


A velhice, ele nem sempre se sentiu atraído por ela. Mas desde a metade sua juventude, germinou em si o anseio por se chegar nessa idade em que a resignação de se ser o que é não permite oscilações significantes na personalidade, no espírito ou nas pretensões para com o mundo. Na adolescência, não; nessa fase ele não tinha a menor vontade de atingir logo essa idade modorrenta e sem graça, onde a pele já está seca e enrugada e ninguém por ele se atrairia fisicamente. Talvez seja natural, prerrogativa desta etapa, a vaidade exacerbada e a certeza de que somente vale a pena viver enquanto houver energia de sobra para se fazer as coisas que nos são impostas como prazerosas.

Aos poucos, ele foi aprendendo com as perdas que a sua constituição como pessoa teria mais a ver com o que lhe seria permitido apreender das experiências do que em propriamente gozá-las, motivo pelo qual o que fora fugaz e o que assim ainda seria não lhe traria nada de muito substancial, ao contrário daqueles instantes que, embora empiricamente fossem finitos, perpetuar-se-iam em sua alma pela eternidade dos dias. Foi assim que gradualmente, enquanto ele tomava gosto por ficar velho, percebeu que seria impossível alcançar a felicidade arrebatadora que tanto procurara; esse conceito de felicidade até então elaborado trazia intrínseca a ideia de ser um momento de êxtase e realização insuportável, tamanho regozijo, e justamente por isso, inacessível. Seu insistente desajuste o incomodava e ele procurava se satisfazer de forma plena, orientado pelo modelo de plenitude que inculcaram em sua cabeça: ou seja, ser feliz seria possível depois da junção de seus milhares de universos fragmentados e todos eles ocupados por ele no cargo máximo; a felicidade viria quando ele chegasse ao topo da vida profissional, do modelo familiar, da realização financeira etc.

Não se sabe ao certo quando ele despertou, mas há a certeza de que isso ocorreu em uma espécie de lapso; talvez tenha sido por meio da observação de algum dos vários modelos reais do fracasso provocado por essa busca por ele até então empreendida ou por encontrar alguém que possuía a paz de quem se satisfez em parar de tudo querer e por tudo buscar. Certo é que após isso, ele não mais desdenhava da ação do tempo e muito menos temia o aparecimento das marcas da idade em seu rosto. A pior ausência de resignação que pode acontecer a alguém é em relação ao envelhecimento; ele havia superado este medo e estava muito.feliz.por.isso.

Nesse passo, seus anos grisalhos enfim chegaram; sua coluna encurvou-se e ele, outrora de porte tão imponente e brioso, agora andava pelos cantos miúdo em sua camisa sempre xadrez, em sua calça sempre social e em seus chinelinhos de dedo. Dentre os muitos hábitos por ele conservados, o de colocar os óculos no chão, ao lado da cama, era o que mais causava advertências por aqueles que lhe eram próximos, mas a despeito de já ter pisado em uns três pares, ele não o abandonara. As manias, quando se chega à velhice, são tão convictas quando a aproximação do fim, e suas raízes são as próprias rugas que aparecem no corpo.

Além dos óculos, o numeroso rol de realizações entabulado durante a adolescência e incrementado na juventude, aquela lista de conquistas-requisitos para se chegar à felicidade, fora reduzida a quatro insossos hábitos: ele passou a se deliciar, a ser realmente feliz vendo Animal Planet, pegando sol pela manhã enquanto lê, dando uma volta de bicicleta todos os dias e cuidando da sua horta de alecrim, hortelã, capim cidreira e tomate cereja (coisas que ele doava para quem lhe pedisse). As aquisições materiais faraônicas, a companheira hollywoodiana, o cargo invejado foram substituídos, todos, por mexer na terra e tomar um solzinho - porque o doutor falou que lhe faria bem. Estes tornaram-se seus quatro motivos para ser realmente feliz. Constantemente lhe perguntavam sobre romances da juventude e questionavam-lhe o por quê da solidão, o motivo pelo qual ele não escolhera alguém para ficar ao seu lado. Se houvesse perdurado a negação da idade – algo tão comum noutros tempos – essas perguntas lhe trariam à boca um gosto acre, uma sensação de perda de tempo ou  do fracasso, mas não era este o caso e ele de modo algum se incomodava diante de tal curiosidade. Apenas sorria e respondia que a vida lhe reservou isso e que "ela fora bem generosa, pra ser sincero", e ele era deste modo sucinto pois seria muito difícil explicar que a companhia de alguém não lhe traria maior felicidade do que andar sozinho e poder, enquanto aguava suas plantas, se lembrar com nitidez daquela que fora seu único amor e que agora, em saudades, era seu secreto quinto motivo – ainda que a memória andasse falhando com outras coisas, como se lembrar dos óculos ao rés do chão.