A
velhice, ele nem sempre se sentiu atraído por ela. Mas desde a metade sua juventude, germinou em
si o anseio por se chegar nessa idade em que a resignação de se ser o que é não
permite oscilações significantes na personalidade, no espírito ou nas pretensões para com o
mundo. Na adolescência, não; nessa fase ele não tinha a menor vontade de
atingir logo essa idade modorrenta e sem graça, onde a pele já está seca e
enrugada e ninguém por ele se atrairia fisicamente. Talvez seja natural,
prerrogativa desta etapa, a vaidade exacerbada e a certeza de que somente vale
a pena viver enquanto houver energia de sobra para se fazer as coisas que nos são
impostas como prazerosas.
Aos
poucos, ele foi aprendendo com as perdas que a sua constituição como pessoa teria
mais a ver com o que lhe seria permitido apreender das experiências do que em propriamente gozá-las, motivo pelo qual o que fora fugaz e o que assim ainda seria não lhe
traria nada de muito substancial, ao contrário daqueles instantes que, embora
empiricamente fossem finitos, perpetuar-se-iam em sua alma pela eternidade dos dias. Foi assim que gradualmente, enquanto ele tomava gosto por ficar velho, percebeu que seria impossível alcançar a felicidade arrebatadora que tanto procurara; esse conceito de felicidade até então elaborado trazia intrínseca a ideia de ser um
momento de êxtase e realização insuportável, tamanho regozijo, e justamente por
isso, inacessível. Seu insistente desajuste o incomodava e ele procurava se
satisfazer de forma plena, orientado pelo modelo de plenitude que inculcaram em
sua cabeça: ou seja, ser feliz seria possível depois da junção de seus milhares
de universos fragmentados e todos eles ocupados por ele no cargo máximo; a
felicidade viria quando ele chegasse ao topo da vida profissional, do modelo
familiar, da realização financeira etc.
Não
se sabe ao certo quando ele despertou, mas há a certeza de que isso ocorreu em
uma espécie de lapso; talvez tenha sido por meio da observação de algum dos vários modelos reais do fracasso provocado por essa
busca por ele até então empreendida ou por encontrar alguém que possuía a paz de quem se satisfez em
parar de tudo querer e por tudo buscar. Certo é que após isso, ele não mais desdenhava da ação do
tempo e muito menos temia o aparecimento das marcas da idade em seu rosto. A pior
ausência de resignação que pode acontecer a alguém é em relação ao envelhecimento; ele havia superado este medo e estava muito.feliz.por.isso.
Nesse
passo, seus anos grisalhos enfim chegaram; sua coluna encurvou-se e ele, outrora de
porte tão imponente e brioso, agora andava pelos cantos miúdo em sua camisa
sempre xadrez, em sua calça sempre social e em seus chinelinhos de dedo. Dentre
os muitos hábitos por ele conservados, o de colocar os óculos no chão, ao lado
da cama, era o que mais causava advertências por aqueles que lhe eram próximos, mas a
despeito de já ter pisado em uns três pares, ele não o abandonara. As manias,
quando se chega à velhice, são tão convictas quando a aproximação do fim, e suas
raízes são as próprias rugas que aparecem no corpo.
Além
dos óculos, o numeroso rol de realizações entabulado durante a adolescência e
incrementado na juventude, aquela lista de conquistas-requisitos para se chegar
à felicidade, fora reduzida a quatro insossos hábitos: ele passou a se
deliciar, a ser realmente feliz vendo Animal Planet, pegando sol pela manhã
enquanto lê, dando uma volta de bicicleta todos os dias e cuidando da sua horta
de alecrim, hortelã, capim cidreira e tomate cereja (coisas que ele doava para quem lhe pedisse). As aquisições materiais
faraônicas, a companheira hollywoodiana, o cargo invejado foram substituídos,
todos, por mexer na terra e tomar um solzinho - porque o doutor falou que lhe
faria bem. Estes tornaram-se seus quatro motivos para ser realmente feliz. Constantemente
lhe perguntavam sobre romances da juventude e questionavam-lhe o por quê da
solidão, o motivo pelo qual ele não escolhera alguém para ficar ao seu lado. Se houvesse perdurado a negação da idade – algo tão comum noutros tempos – essas perguntas
lhe trariam à boca um gosto acre, uma sensação de perda de tempo ou do fracasso,
mas não era este o caso e ele de modo algum se incomodava diante de tal curiosidade.
Apenas sorria e respondia que a vida lhe reservou isso e que "ela fora bem generosa, pra ser sincero", e ele era deste modo sucinto pois seria muito
difícil explicar que a companhia de alguém não lhe traria maior felicidade do
que andar sozinho e poder, enquanto aguava suas plantas, se lembrar com nitidez daquela que fora seu único
amor e que agora, em saudades, era seu secreto quinto motivo – ainda que a
memória andasse falhando com outras coisas, como se lembrar dos óculos ao rés do
chão.