sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

fotossensibilidade

Meu mundo é um quarto escuro
de uma única mobília
Alguns entram,
E logo se impacientam
não dá pra ver nada
                                    Desistem e saem.
Outros tentam chegar
Escorando pelas paredes
            Adiantam-se até a metade
Mas voltam 
e na saída
            deixam jogados nalgum canto
            algo do qual desejavam há tempos
                        se desfazer
                                               [ninguém vem aqui mesmo]
Estou no canto oposto
Mas ocupo quase todo o espaço
Aqueles que em mim
Com furor, adentram
Ferem-se nas minhas quinas
E saem do cômodo praguejando
            - estúpida!
Mas ainda
há poucos insistentes
tateiam-me carinhosa e
vagarosa
Não se assustam com as pontas
E surpreendem-se com os vértices
arredondados
de minha
alma.
Depois de um tempo
Eles querem
Me puxar para a porta
E inerte, resisto
            Sou pesada
Permaneço naquele canto
E também eles vão embora
Sem antes descobrirem
Meu coração macio
Reservado àquele que conseguir
Amar mais a minha noite

Do que o dia dos demais.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Ao meu quinto motivo


A velhice, ele nem sempre se sentiu atraído por ela. Mas desde a metade sua juventude, germinou em si o anseio por se chegar nessa idade em que a resignação de se ser o que é não permite oscilações significantes na personalidade, no espírito ou nas pretensões para com o mundo. Na adolescência, não; nessa fase ele não tinha a menor vontade de atingir logo essa idade modorrenta e sem graça, onde a pele já está seca e enrugada e ninguém por ele se atrairia fisicamente. Talvez seja natural, prerrogativa desta etapa, a vaidade exacerbada e a certeza de que somente vale a pena viver enquanto houver energia de sobra para se fazer as coisas que nos são impostas como prazerosas.

Aos poucos, ele foi aprendendo com as perdas que a sua constituição como pessoa teria mais a ver com o que lhe seria permitido apreender das experiências do que em propriamente gozá-las, motivo pelo qual o que fora fugaz e o que assim ainda seria não lhe traria nada de muito substancial, ao contrário daqueles instantes que, embora empiricamente fossem finitos, perpetuar-se-iam em sua alma pela eternidade dos dias. Foi assim que gradualmente, enquanto ele tomava gosto por ficar velho, percebeu que seria impossível alcançar a felicidade arrebatadora que tanto procurara; esse conceito de felicidade até então elaborado trazia intrínseca a ideia de ser um momento de êxtase e realização insuportável, tamanho regozijo, e justamente por isso, inacessível. Seu insistente desajuste o incomodava e ele procurava se satisfazer de forma plena, orientado pelo modelo de plenitude que inculcaram em sua cabeça: ou seja, ser feliz seria possível depois da junção de seus milhares de universos fragmentados e todos eles ocupados por ele no cargo máximo; a felicidade viria quando ele chegasse ao topo da vida profissional, do modelo familiar, da realização financeira etc.

Não se sabe ao certo quando ele despertou, mas há a certeza de que isso ocorreu em uma espécie de lapso; talvez tenha sido por meio da observação de algum dos vários modelos reais do fracasso provocado por essa busca por ele até então empreendida ou por encontrar alguém que possuía a paz de quem se satisfez em parar de tudo querer e por tudo buscar. Certo é que após isso, ele não mais desdenhava da ação do tempo e muito menos temia o aparecimento das marcas da idade em seu rosto. A pior ausência de resignação que pode acontecer a alguém é em relação ao envelhecimento; ele havia superado este medo e estava muito.feliz.por.isso.

Nesse passo, seus anos grisalhos enfim chegaram; sua coluna encurvou-se e ele, outrora de porte tão imponente e brioso, agora andava pelos cantos miúdo em sua camisa sempre xadrez, em sua calça sempre social e em seus chinelinhos de dedo. Dentre os muitos hábitos por ele conservados, o de colocar os óculos no chão, ao lado da cama, era o que mais causava advertências por aqueles que lhe eram próximos, mas a despeito de já ter pisado em uns três pares, ele não o abandonara. As manias, quando se chega à velhice, são tão convictas quando a aproximação do fim, e suas raízes são as próprias rugas que aparecem no corpo.

Além dos óculos, o numeroso rol de realizações entabulado durante a adolescência e incrementado na juventude, aquela lista de conquistas-requisitos para se chegar à felicidade, fora reduzida a quatro insossos hábitos: ele passou a se deliciar, a ser realmente feliz vendo Animal Planet, pegando sol pela manhã enquanto lê, dando uma volta de bicicleta todos os dias e cuidando da sua horta de alecrim, hortelã, capim cidreira e tomate cereja (coisas que ele doava para quem lhe pedisse). As aquisições materiais faraônicas, a companheira hollywoodiana, o cargo invejado foram substituídos, todos, por mexer na terra e tomar um solzinho - porque o doutor falou que lhe faria bem. Estes tornaram-se seus quatro motivos para ser realmente feliz. Constantemente lhe perguntavam sobre romances da juventude e questionavam-lhe o por quê da solidão, o motivo pelo qual ele não escolhera alguém para ficar ao seu lado. Se houvesse perdurado a negação da idade – algo tão comum noutros tempos – essas perguntas lhe trariam à boca um gosto acre, uma sensação de perda de tempo ou  do fracasso, mas não era este o caso e ele de modo algum se incomodava diante de tal curiosidade. Apenas sorria e respondia que a vida lhe reservou isso e que "ela fora bem generosa, pra ser sincero", e ele era deste modo sucinto pois seria muito difícil explicar que a companhia de alguém não lhe traria maior felicidade do que andar sozinho e poder, enquanto aguava suas plantas, se lembrar com nitidez daquela que fora seu único amor e que agora, em saudades, era seu secreto quinto motivo – ainda que a memória andasse falhando com outras coisas, como se lembrar dos óculos ao rés do chão. 

sábado, 16 de novembro de 2013

Entre nós

Esses são versos livres
escritos de uma só vez
sem retoques
impulsionados por um sonho
recordações do que uma vez
escreveu V. Woolf
Interrompidos pela manhã
escritos nessa manhã


Entre nós
sempre existirá
a longevidade da 
distância
Inventada
para pôr fim
à minha felicidade 
e fazer-me crer
n'alguma outra
plausível convivência
dos corpos.
Entre nós
sempre
haverá
excesso de forma
de razão.

Entre nós
sempre insistirá
a dor da separação
(não dita);
As lembranças 
tão gastas
de impressões infinitas;
As promessas 
inabaláveis
Adormecidas
pelas horas
pelos metros
pelas lágrimas.

Entre nós
haverá
a perene sensação
de que foi
melhor assim
E em mim,
insuportável certeza
de que sou
e serei
vazia
sem ti.

E a despeito
do que há
entre
Por nós
sempre 
sempre
sempre e sempre
existirá
o amor.
Sempre.





"Encarar a vida pela frente... Sempre... Encarar a vida pela frente, e vê-la como ela é... Por fim, entendê-la e amá-la pelo que ela é... E depois deixá-la seguir... Sempre os anos entre nós, sempre os anos... Sempre o amor... Sempre a razão... Sempre o tempo... Sempre... As horas".

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

os caminhos

Eu não ando me lembrando muito corretamente das coisas, mas por coisas não quero dizer que esqueço-me com facilidade de onde deixei as chaves da casa; refiro-me às minhas memórias afetivas. Dia desses, comecei a repensar as vezes que devotei algum sentimento a alguém e a maioria das pessoas, como resultado desse exercício, evidenciou-se em minha mente com uma força franzina, suplicante, quase impossível de provocar em mim qualquer recordação dos tempos passados – e certamente incapaz de provocar em mim qualquer comoção sentimental. Tornou-se praticamente impossível realocar-me tal como eu estive antes, quando por esses alguéns eu senti algum afeto – não necessariamente romântico. Talvez seja essa a ordem natural das coisas, talvez sejam as pessoas corpos de luz tão próximos de nós que a finitude de seu brilho coincida com o término de sua existência em nossos corações.

Nenhuma recordação está intacta aos adornos de nossa criatividade. Essa estabelece com a realidade passada uma relação de cômoda complementaridade, acrescentando aos fatos impressões do nosso subjetivo, das nossas emoções, de tal forma que a constante inventividade de nossos corações fazem inesquecíveis certas historias. As idéias doutrora adquirem contornos próprios, inerentes à correspondência com a entediante realidade. Houve o filme especifico, houve a música especial, aconteceu aquele passeio no determinado restaurante ou deveras viajou-se para aquela linda cidade, mas o que afastam esses fatos do clichê não é a sua existência física ou sua efetiva consumação, mas tão somente a decantação natural do que está insusceptível à passagem do tempo, repousando no fundo da alma como algo insuperável.


Apesar da esclerose afetiva que tem apagado pessoas em mim, a renovação das lembranças que possuo relacionadas a c. caminha na contramão dos demais, encontrando à sua frente uma via desobstruída, pela qual ela corre e sorri para mim. Parece que enquanto estivemos juntas, ela mandou abrir esse caminho de forma silenciosa, passando pelos lugares mais ocultos de meu ser, de modo que ninguém poderia usurpar-lhe sua trajetória ou igualar-se a ela em sua caminhada pela minha existência. Seus trajetos canhotos mostram-me parte de suas curvas quando olho para dentro de mim, mas olvidam dos meus sentidos boa parte de sua dimensão, de modo que pensar nela, embora limitadas as lembranças factuais, seja uma sempre inesperada agitação de doces sentimentos. Posso dizer que, em contrapartida ao caminho retilíneo que todos traçaram em mim até hoje, são os seus propositalmente curvilíneos, cabendo dentro do mesmo espaço que pela reta é curto considerado, a sinuosidade de uma vida inteira de saudades e de amor. 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

o mundo é minha casa você é minha casa

A C. S.


Não adianta me prometerem
         Passagens
              Viagens
                   Lugares
              o Eldorado
Minha mente fixou-se
Num único canto de gente de todas as gentes
Enraizou-se 
no terreno fértil de seu ventre
Umidificou-se na sua boca
Cresceu na sua mão, 
seu substrato.

A História repete-se
Insiste meus sentidos incensar
Não importa que meu transatlântico
                        Coração
Enverede-se para outro continente
Noutras terras também floresce
o que em mim
Tornou-te bosque.

Talvez dos lados de lá
     Cresçais em mim com mais afinco
E o bonde que me saúda
A mina incrustada na montanha
O sol que tomo nalguma praia
Todos relembram-me: não adianta fugir
Ou nalguma calçada suspiro
“como gostaria que aqui ela estivesse!”

Noutros cantos também se ama
         Como aqui se faz
Meu sentimento transporta-se pelos mares
              Rarefeito
              Dissipa-se pelo ar.

D'alguma estranha cidade,
Reconheço saudades
nos edifícios nunca dantes vistos
e creio no que digo
“aqui já estivemos noutra vida”. 
Mentira.
Nunca andei pelos lados de cá
É que no sangue eu te carrego
E tudo que enxergo
         Em você se reflete
Então, meu amor
O mundo inteiro me parece familiar!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

curvas da alma

"Desacelera, menina. Desacelera o coração." O balbuciar baixo, tão baixo que se assemelhava à uma oração própria de alma condenada, era dito perto dos seus ouvidos, enquanto seus cabelos emaranhados eram desafiados pelos dedos que experimentariam apenas os anéis feitos pelos ossos da longevidade. Nenhum dos dois possuía propriedade para acalentar o outro, o coração hipertrofiado por sentimentos em flor denunciava a farsa de qualquer consolo, mas as palavras eram repetidas em um tom celestial, naquele tom bicentenário que nos falam os avós no leito de morte: "Desacelere esse coração."

A sacada de ambos, naquele cinzento e vaporizado dia, foi perceber que ao tentar ser são, um espírito somente encontra a enfermidade num mundo no qual a lucidez é sinônimo de indiferença. De tanto buscarem a sanidade, cada um num canto e em cidades afastadas e igualmente populosas, encontraram-se na loucura dos que percebem não ser possível amar e ser normal. Entregaram-se à doença da pureza que desde cedo causava um comichão em seus corações e purgaram naquele dia pela dor de descobrir que os mais disparatados eram os que possuíam a maior beleza dentro de si (e que poucos saberiam dessa verdade).

"Desacelera, menina. Desacelera esse seu coração." Ele continuou repetindo junto ao seu ouvido, enquanto a chaleira assobiava o agudo que teria a força de tirá-lo da cama noutro dia qualquer, não fosse o peso daquela cabeça em seu braço, enquanto as sobrancelhas da menina de coração pulsante eram penteadas pelo seu indicador. Acomodaram-se naquela cama de solteiro, quase impossível de abraçá-los juntos, mas que era grande o suficiente para abrigar toda a angústia do mundo, porque eles sofriam - e sofriam muito! - pelos demais estarem tão tristes nas ruas, disfarçando seu amar comum com sorrisos de escárnio. 

"Fique aqui que eu já volto com uma surpresa quentinha pra você", ele lhe disse. Saiu da cama, calçou o par de Havaianas brancas e dirigiu-se à cozinha, onde preparou o chá. Ao voltar para o quarto, percebeu que ela havia dormido num compasso em que seu peito inflava-se e murchava fundo, quase tangendo a pele das costas. Ora planalto, ora vale, a frequência daquele movimento era rápida demais até para os padrões de um maratonista amador ao final de uma prova. Preocupado, ele chegou perto de suas ventas e percebeu que sua respiração era mais planície que a de um recém-nascido dormindo no peito da mãe e tranquilizou-se por sua saúde, mas sentiu um doce pesar pelo seu jeito de sentir as coisas. Então, como se fosse um xamã que conhecesse profundamente aquela loucura, junto ao seu ouvido coberto pelas mechas advertiu-lhe novamente, em tom de prece, em tom de súplica: "Se você nunca desacelerar esse seu coração, menina, vai acabar morrendo de amor qualquer dia desses..." e deitou-se ao seu lado, mostrando através da camisa cinza-desbotada o seu relevo ainda mais acidentado, escavando-se e soerguendo-se em intempérie, tamanho amor sentia por ela.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

a coceira da saudade propriamente dita

Era hábito, depois de duas ou três vezes fazendo aquele caminho, escolher uma das primeiras poltronas localizadas na janela, na fileira que se alongava atrás do motorista. Eu procurava comprar o bilhete para aqueles lugares que eram saídas de emergência, pois ela havia me chamado atenção para o fato de que esses assentos eram mais espaçosos, mas nem sempre estavam disponíveis; a opção por eles nada tinha a ver com precaução, mas tão somente com o conforto maior que me proporcionariam ao longo das oito horas de viagem, e a insistência em viajar nas fileiras da esquerda era porque eu sentia enorme prazer ao ver a cidade onde ela morava surgindo ao longe, por entre algumas montanhas, mas que primeiramente anunciava-se sob uma nuvem opaca de luzes (quando à noite).

Desde o apontamento dos prédios no meu campo de visão a chegar à rodoviária, passavam-se cerca de cinquenta minutos, mais longos do que as precedentes sete horas já trilhadas – e mais rápidos do que os quinze minutos dentro do metrô até chegar ao seu apartamento. Não foram raras as vezes em que ela foi me buscar no terminal, mas eram mais prazerosas as que ela se mantinha em casa enquanto eu fazia o interminável trajeto de termináveis minutos para encontra-la, e por um único motivo: era indescritível a sensação de vê-la em trajes despojados, fresca pelo banho recém-tomado, e me deitar em cima dela enquanto a beijava sorrindo.

Por algumas vezes eu tentei enganá-la dizendo estar mais distante do que realmente me encontrava, sádico prazer de afligi-la por mais tempo quando minha chegada inesperada acabaria com sua ansiedade. Em todas as vezes eu desci no lado errado da estação e ia parar do outro lado da avenida na qual estava sua casa, demorando realmente quase o tempo mentirosamente estimado, pois minha ansiedade em vê-la logo era quem me pregava a peça.

Os dias que se seguiam não diferiam daqueles passados por casais apaixonados e que moram longe, mas como todos pensamos ser único e superior o amor que vivemos, talvez fossem os nossos mais doces do que os dos demais por nos darmos muito bem em todos os campos afetivos, como o da amizade e do companheirismo, e principalmente porque eu a amava além da compreensão. 

As despedidas, existiram todas, menos a última.


***


Embora eu já tenha empregado inúmeras vezes a frase “Estou com saudades”, poucas foram aquelas que eu realmente as sentia. Excluindo destas experiências aquelas relacionadas aos meus pais, as saudades que senti por alguém resumia-se a um lânguido filetinho de água gotejando lembranças em meu cérebro e se evaporando antes mesmo de chegar ao coração, incapaz de me inundar como foi quando eu as senti pela primeira e única vez, por ela, quando eu realmente transbordei.

Não trato aqui das saudades imediatistas, presentes na distância que nos separava ou logo após nosso término. Essa última, aliás, era insuportável, é fato, mas estava imiscuída em fatores externos como a quebra da rotina, os ciúmes pela falta, a ausência do verbo. Essa última todo mundo sente. As saudades da qual falo surgiram quando não mais razão eu tinha para senti-las, fosse pelo tempo passado e dito suficiente para esquecê-la, fosse pela ausência de perspectiva em reencontrá-la.

Sentimentos, como o próprio nome já sugere, somente o são quando tangem os nossos sentidos, senão não passam de algo abstrato e tênue. Eu dizia sentir saudade de alguém, mas aquilo nada mais era que o incenso de alguma memória na minha cabeça, incapaz de tangenciar meus sentidos ou fazer-se sentir em meu coração. Não era sentido, logo não era um sentimento e, por conseguinte, impossível de ser saudade.

Quando eu me vi completando um ano sem encontra-la percebi que não possuía mais nenhuma razão para sentir sua falta tamanho o tempo que já estávamos sem nos ver e que possuía todas as mundanas prerrogativas para esquecê-la. As saudades que por ela eu sentia não passaram a partir de então a serem credenciadas como tal, mas somente entendidas, pois pela superficialidade do óbvio e do efêmero era incompreensível que mesmo depois de tantos dias eu sentisse uma visceral dor quando ia dormir somente por me lembrar de quando eu a cheirava na curva do rosto onde se escondia seu cheiro ou de como era bom beijá-la. Entendi que, enfim! – e não sei se por mal ou por bem – eu sentia saudades de alguém e que a falta física foi uma fracassada tentativa de amputar de meu coração a sua presença etérea-e frustrada porque eu continuaria a sentir o formigamento da sua existência ainda que não mais houvesse a razão palpável para isso.


E de forma inexplicável e paradoxal, quando não mais existiu em mim a matéria na qual se esbarraria e faria se detectar a saudade, eu senti em meu coração sua doce e inarredável presença, enfatizada ainda mais durante as noites em que desejei tê-la ao lado dormindo em meu braço. Após ter o aval do tempo e das circunstâncias para não mais sentir a sua falta, eu percebi que sua existência, sorridente, suave e amável, continuaria a descansar tranquilamente sob a sombra do meu coração, ainda que mais mil anos de esquecimento reluzissem buscando ofuscá-la.


"Ama-me. É tempo ainda, interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.

Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas."

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Existe um motivo para assistir os créditos até o final

Depois de algum tempo, a dona que limpava a sala após as sessões se familiarizou com a presença retardatária daquela pessoa nalguma poltrona do canto esquerdo, sempre das últimas fileiras. Nas primeiras ocasiões, ela se intrigava procurando o motivo para aquela mulher se manter ali, mesmo após o filme já ter acabado. Entretanto, ela se habituou depois, como quando não mais se estranham atitudes curiosas tornadas hábitos,  e ela a encarava com naturalidade – embora não houvesse perdido a curiosidade sobre aquela conduta.

Após alguns anos frequentando aquele cinema, a atitude daquela moça não mais era estranhada pelos que ali trabalhavam; na verdade, entre ela e os funcionários formou-se um laço de cordialidade, e ninguém ousava indagá-la sobre a sua saída atrasada das sessões, numa prudente postura daqueles que pressentem existir por detrás dum curioso agir uma explicação além das imaginações.

Ela não se dirigia somente até àquele cinema, mas preferia-o pelo clima mais íntimo que ele possuía e pelos filmes que nele eram promovidos. Dona Jandira, a senhorinha que limpava a sala, percebia que além de se manter ali até a projeção chegar ao final, nalguns filmes –  e somente naquele solitário momento – ela levava a mão direita ao lado esquerdo do seu colo e aquilo lhe parecia mais reticente do que sua insistência em ficar na sala mais um tempo. Apesar de não aparentar nada de especial, aquela mulher conservava essas duas atitudes que mexiam com a curiosidade de Dona Jandira e de alguns que ali trabalhavam, que sabiam pela boca daquela funcionária sobre insistência em permanecer na poltrona após todos saírem e sobre a mania de elevar a mão ao peito nalgumas oportunidades.

Para todos que conviviam com ela, aquela mania de colocar a mão no peito era comum, mas não a eximia das perguntas curiosas para saber o seu motivo. Ela sempre dizia se tratar de um tique como qualquer outro, mas ao invés de não pisar nas linhas da calçada ela fazia pôr a mão no colo quando algo lhe acontecia. Plausível para os que ouviam a explicação, mas inverídica. Ela contava a mentira pois não julgava necessário dizer o que realmente a impulsionava a fazer aquilo, tendo em vista que era algo íntimo demais e que cabia somente a ela e ao que era por ela acariciado naquele ato.

Numa certa terça-feira, depois de terminado um filme da sessão semanalmente assistida por aquela mulher, Dona Jandira finalmente se predispôs a sanar suas dúvidas e perguntou-lhe por que ela levantava a mão assim – repetiu o gesto – algumas vezes. À ela foi dada a mesma explicação de sempre: era um toque, uma mania, um tique.

- Ah, mentira. Você faz isso somente algumas vezes e bem pensado, então quer dizer que não é uma coisa boba. Eu, por exemplo, quando algo de ruim atravessa meu caminho, mesmo que seja um gato preto, eu me benzo e isso não é sem pensar.

Um pouco espantada com a sensibilidade de Dona Jandira, única pessoa em anos a não engolir a sua explicação – e ainda baseando-se em uma comparação tão simples e pertinente – ela resolveu abrir-se pela primeira vez após muito tempo, oferecendo-lhe como prólogo a saudade que sentia do seu amor, que há muito havia dela se separado, e da sua vã tentativa de tentar matá-lo em si, logo após a separação de ambas.

- A gente é bobo, né? Acha que essas coisas se vão com esses mantras que nos ensinam na rua, mas acaba que só fortalece o que mora do lado de dentro, disse-lhe a senhora.

Ambas estavam sentadas nas poltronas da penúltima fileira e Dona Jandira continuou ouvindo que após a separação, ela tentou sacrificar o que sentia por aquela menina atendo-se aos desentendimentos que aconteceram entre ambas, aos momentos ruins – ainda que eles fossem infinitamente menores do que os bons – que elas passaram, pois era necessário tirar o foco das saudades descomunais que ela sentia cada dia mais. De tanto se empenhar nessa tarefa, as lembranças desagradáveis, que já eram fraquinhas, ficaram desbotadas, e as bonitas, que perceberam antecipadamente a leviandade daquela empreitada e mantiveram-se quietinhas dentro de si, numa noite tomaram conta de todo seu coração como se lhe dissessem que ali dentro estaria pelo resto dos dias ocupado e que seguir somente seria possível carregando aquele amor no silêncio da saudade.

Dona Jandira ouvia tudo atentamente, disfarçando a surpresa pelo fato de que o amor sobre o qual ela ouvia era sentido por outra mulher, mas não atendo-se a esse detalhe; a placidez com a qual lhe era relatada a história apoderou-se de seu íntimo e ela sentia certa comoção naquele momento, quando pediu que ela continuasse. A sua interlocutora não contava sua história com dor, mas suas palavras traziam toda dose de saudade que existia no mundo, como se trancafiadas dentro dela por tantos anos elas fora adquirindo essa crosta de sentimentos doces até que encontrou alguém que realmente se interessou por ouvi-las e ao proferi-las, o açúcar inundava-lhe a boca e a alma com o gosto daquela menina.

Passado o tempo em que inutilmente se tentou apagar o que sentia, ela adquiriu hábitos solitários e tranquilos  Não fora negado à Dona Jandira que ela às vezes chorava pela falta que sentia, principalmente antes do sono, mas foi justamente numa destas noites que ela pegou-se acariciando seu coração, tal como fazia com sua menina, quando passava suavemente a ponta dos dedos pelo seu braço, fazendo-a adormecer naquele que talvez era o carinho preferido dela. Depois disso, ela acostumou-se a apaziguar as dores da saudade acariciando discretamente esse pedaço seu, fosse em sua casa, na rua, no trabalho, em qualquer lugar do mundo, de modo que um gesto outrora somente para amenizar uma tristeza passou a ser feito em qualquer momento, como se ela contasse-lhe por meio daquele alisar o que acontecia no seu dia-dia. 

O que fora silenciado entre elas foram somente as palavras e é verdade que ela não mais a cheirava, a olhava, mas como acontece àqueles que carecem de algum sentido, seu tato fora aguçado de modo que ela conversava com quem amava acariciando seu coração. Aquilo tornara-se sua proteção contra os maus-agouros do mundo; era o sue benzer.

Dona Jandira encontrava-se de certo modo consternada por aquela história e o saco de lixo que ela trazia na mão fora deixado ao chão de tão entretida que ela estava. A sua dúvida fora sendo elucidada de forma surpreendente, mas não inteiramente, pois ela ainda não entendia o porquê dela ser sempre a última a sair da sala e mesmo se manter com os olhos pregados na tela enquanto conversavam. Perguntou-lhe, então, a razão para isso.

- É que ela trabalha com essas coisas de cinema e eu procuro o nome dela nos créditos. Quando o encontro, fico orgulhosa, me bate uma saudade, daí levo a mão ao peito.

- Então agora está tudo explicado, disse-lhe Dona Jandira. Agora eu entendi a pátria amada.

- Pátria amada?

- Sim, era como eu te chamava por causa dessa sua mania. No início, das primeiras vezes que percebi, achei que era algum jeito de homenagear um filme brasileiro... você sabe, né?! Eu não entendo dessas coisas e cada doido com sua esquisitice. Mas quando vi que não tinha nada a ver, o apelido já tinha pegado.

Dona Jandira tinha um senso de humor gostoso. Aquela mulher riu da originalidade do apelido e levantou-se para ir embora, não antes sem agradecer aquela senhora por a ter ouvido sobre algo que há muito tempo não era falado. Quando encaminhava-se para a saída, após despedir-se, Dona Jandira a interpelou em voz alta, enquanto enfiava um balde de pipoca no saco de lixo:

- Aqui...  

- Oi, Dona Jandira!

- Ela te amou muito, né? Digo, pra você ainda sentir tudo isso...

- Amou sim.

- Hm... E sabe até quando você vai fazer isso?

- Fazer o que?

- Carinho nela dentro do seu coração.

- Não tenho ideia, Dona Jandira. Não tenho a menor ideia.

- Eu sei. Você vai fazer isso até sua pele ficar enrugada igual à minha e a partir de hoje vou te chamar de amada-amada.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Contadora de mentiras

- Eu não vou conseguir lidar com isso, ela lhe disse.

- Vai sim, anjo. Olha só, as coisas vão se acertar e você vai superar. A vida é muito boa!

E de fato seria. Era inegável que qualquer um consideraria a vida melhor. Eles tinham que encarar muitas dificuldades para se encontrarem e os momentos que passavam juntos começaram a perder força diante da tristeza de se verem separados. A vida seria mais fácil, ela seria boa.

Ela acordou e, apesar de todo seu interior estar comprimido no espaço d'uma caixa de fósforos, no capacete dum escafandro, desceu os poucos centímetros da cama e apegou-se ao fato de que algumas preocupações que lhe afligiam não mais existiriam de hoje em diante, pois ela não mais precisaria procurar maneiras de ir para perto dele, não mais precisaria encarar a tristeza da despedida ou a aflição de um incerto futuro a dois. A sensação que predominava a tudo isso era de uma dor insuportável, é verdade, mas somente porque essas novas doces verdades ainda não tinham sido por ela assimiladas e aqueles sentimentos que insistiam em reportá-la às lembranças dos abraços, dos olhos, dos sorrisos, das palavras, de tudo que era ele dentro dela, passariam após o café da manhã, porque a vida seria boa e aquela voz exagerada que vinha de dentro não sabia quão boa seria ela, posto que nada soubesse do que se passava aqui de fora, de como tudo era bonito do lado de cá.

Ela se arrumou da melhor maneira possível e se dirigiu ao emprego, onde ocuparia um novo cargo - promoção recebida na semana anterior; quando colocou os pés na rua, percebeu que aquela realidade era linda pra muita gente, que aquele ar de liberdade deveria ser bem gostoso, e por isso se comprometeu a não permitir que nada a atingisse de agora em diante, porque ela realizaria muitos novos sonhos sozinha ou mesmo ao lado de outra pessoa – desde que a essa ela não se entregasse, porque a vida que surge em função do que vem de dentro não seria tão boa quanto àquela respirada por todos na sua frente, com ares joviais, obstinados e inabaláveis... ah, como deveriam ser belas aquelas pessoas!

Seu passo era pretensiosamente mais seguro e foi assim que ela chegou em seu trabalho. Após todos cumprimentarem-na pelo novo posto, ela foi ao banheiro, trancou-se numa cabine e chorou silenciosamente, enfiando as unhas nas palmas das mãos, sentindo suas entranhas contorcerem-se e seu coração gritar dentro de si que ali dentro estava vazio, que estava faltando alguma coisa, mas e daí?! Afrontou-o dizendo-lhe que aquele choro ia passar quando ela lavasse a cara e voltasse pra sua nova sala; ordenou-o que se calasse, pois a dor que morava ali dentro, aquela dor não sabia que ela tinha uma nova mesa de design inovador e que a mandariam para um congresso fora do Brasil – viagem essa livre das saudades que, se antes, ela sentiria por ele. A vida seria boa e, ainda assim, aquela porra de coração insistia ignorar seu novo salário e os prêmios que recebera da diretoria!

Ao voltar para casa, ela convenceu-se de que era muito gostoso ter um tempo para si e que poderia fazer o que bem entendesse. Entrou no banho e, após uma hora sentada no chão do banheiro, escaldando a nuca e as costas com a água que lhe caía sobre o corpo - e que, em vão, tentava disfarçar o choro da sua alma -, ela se aprontou e saiu pra rua. O sentimento que estava dentro dela somente purgava daquela forma porque sequer fazia ideia de quanta gente interessante, de quantos meninos bonitos existiam aqui de fora; aquele sentimento escandaloso não via como a vida seria boa agora que ele havia partido.

Até mesmo a bebida queria se mostrar para ela, e depois de muitas garrafas ela resolveu dormir na casa de um antigo amigo, desses que reaparecem para mostrar como seria bonita a vida e que de tanto isso repetir, poupava-lhe por alguns minutos o desgaste do auto-convencimento. No sofá daquela casa estranha, censurou as lágrimas repetindo para para si como era legal poder fazer aquilo sem nenhum problema, quando bem entendesse e reafirmava em seu íntimo que "aquela boazuda da vida vai me seduzir, é só aguardar, não tem erro".

Ao acordarem, resolveram viajar naquele mesmo final de semana, num ímpeto de impulsividade próprio daqueles que tentam ser inovadores, mas esbarram na artificialidade. Os novos ares daquela fase que se anunciava tão bonita e leve deveriam ser aproveitados e apesar de seus olhos terem amanhecidos amarrotados e vermelhos, seu amigo não lhes deu muita atenção, pois toda tristeza iria passar assim que pegassem a estrada. Aquela nova vida, disse a ela, não lhe dará muito tempo para lamúrias, para baboseiras sentimentais; aqui de fora, é tudo rápido e se não funciona, ba-bay! Mas simples assim? ela lhe perguntou, um pouco surpresa. Desse jeito mesmo, respondeu-lhe, e a regra é não se apegar demais, deixar rolar e foda-se, sentenciou dando partida no carro. A estrada faria qualquer coisa ruim passar, ela tinha fé nisso, mas não mais do que tinha ciência do que se passava em seu íntimo.

Ao voltar da viagem, uma nova rotina - sem ele - fora implementada. O tempo passou a fluir sem maiores acontecimentos nem palpitações, mas a vida, progressivamente, fora se insinuando cada vez melhor e cada vez mais ela buscava enxergá-la dessa forma. As coisas tornaram-se mais simples, não havia alguém para dividir suas impressões diárias, e o constante aperto no peito era despistado com as atrações de um outro  dia programado para ser mais excitante que o anterior.

Aquelas vozes que ecoavam dentro dela foram blindadas por sorrisos largos, por itinerários cada vez mais inusitadas, por novas pessoas cheias de experiências diferentes. O importante era manter o que se passava dentro do coração trancafiado para que aquilo não enxergasse no vitral dos olhos o que realmente acontecia do lado de fora e botasse tudo a perder; diante do cárcere, os sentimentos insurgiram contra a indiferença e puseram-se a esmurrar as paredes que os calavam e, dessa forma, à medida que a vida se dizia melhor, aumentava também a sensação de que lhe faltava algo, de que o espaço vazio alargara-se.

Eram cada vez mais recorrentes as viagens, as saídas e as novas pessoas, trazidas por aquela maravilha de vida. Quanto mais o seu coração reduzia-se a cacos na tentativa de se fazer ouvir, mais obstinada por encontrar a beleza prometida nos novos dias ela se tornava, pouco importava o quão maior ficaria seu vão interno (o que estava aqui fora tinha de firmar cool-demais-pra-se-preocupar-com-bobeiras).

A.Vida. Seria. Boa., foi o que ela passou a repetir para si todas as manhãs.

Apesar disso, o que de fato aumentara foram as vezes que ela se sentava no chão durante o banho, como também se surpreendia rindo sozinha lembrando-se de algo daquela vida passada – e era curioso como aquele sorriso era mais sincero do que os rasgados pela nova linda realidade. 

Ela acostumou-se a conviver com o que lhe berrava seu coração e os gritos de outrora transformaram-se numa melodia que falava sobre saudades e sobre amor. Ela conseguiu estancar as feridas provocadas pelos solavancos dentro de si e mesmo que vez'enquando elas doessem, tal dor não era contestada pela tentativa de reafirmação da beleza daquela nova vida, fosse porque ela não mais acreditasse no que estava do lado de fora, fosse porque ela simplesmente aceitou a presença dele no seu íntimo, como marcas de uma época em que a vida não era tão boa assim, mas em que ela era mais feliz por vivê-la.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

saudades cartesianas

Sabe de uma coisa,
eu não sinto tanta saudade assim de você.
Eu não sinto tanta saudade de você
quanto sinto do seu cheiro
E também não a sinto
tanto quanto sinto dos seus finos dedos.
Menina, vou te contar
que as saudades de você nunca foram grandes o suficiente
para se comparar
às saudades que sinto da sua pele branca salpicada por pintinhas
e do seu curto cabelo.
Acredite quando digo: eu não sinto tanta saudade de você.
Não sinto!
Não sinto! e não sinto!
Elas são bem menores 
do que as saudades enormes
que sinto do seu beijo
do seu sono
do seu colo
do seu riso 
e mesmo do seu choro.
E saudades que são
não são tão grandes pelo todo sentidas
quanto pelos detalhes doídos
como quando sinto-as pelo seu coração.
Sabe de uma coisa...
eu não sinto tanta falta de você
como quando sinto do seu abraço
do sossego que sentia ao seu lado
e da tranquilidade do amor que por mim você sentia
(e que era maior do que as saudades que eu tinha
quando do seu lado saía)
Na verdade,
eu não sinto tanta saudade de você
não e não.
Não sinto tanto sua falta assim
quanto sinto de cada pedacinho seu
que somados fazem com que as saudades que sinto
sejam maiores do que de você-inteira
e menores do que todo amor que ainda há em mim.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

I will follow you into the dark

Eu poderia escrever as palavras mais bonitas sobre você, mas eu não consigo. Eu poderia descrever os momentos mais intensos que passei, mas os outros não estariam ao meu lado para testemunhar com propriedade. Às vezes, o que nos resta é a lembrança do indecifrável e você, minha mais doce memória, é o meu momento inacabado, apesar de terminado, da mais bonita maneira existente: sem um adeus. Eu poderia explicar a doce beleza de um amor que se anunciou interminável, mas eu não tenho como equacionar o infinito; e então, quando me faltassem palavras para apurar o que se disse inabalável, o mundo me veria deitada ao chão, procurando um lugar nos cantos que supostamente me confortariam pela falta do que é inconsolável - em Terra. Eu estaria apta a contar para alguma criança o gosto da esperança, mas o velho que estivesse ao meu lado denunciaria minha farsa, pois perceberia em minha voz a dureza de um amor que somente pôde ser em vida porque é infinito enquanto se vive - e julgado terminado por todos aqueles que amam agora, hoje, amanhã... talvez depois. Amarei você por quantos planos durarem uma alma, até que então ela poderá ascender em matéria celeste e somente aí serei completa por pertencer ao céu que te coroa. Meu anjo, eu poderia te desejar tudo que os outros, doce e sinceramente, te reportariam no dia de hoje, mas o que eu consigo te enviar é o que já está com você, então não tenho mais nada para lhe dar. Quando penso em como estou em sua memória, em como apareço vez'enquando para seus olhinhos, tento ser positiva e imaginar que serei um afago de um passado que se tornou tão distante quanto uma infância nostálgica... espero que tão saborosa quanto os dias em que você buscava abrigo no colo dos seus pais sejam os momentos em que eu busquei sentido nos seus lábios e então o fim será mais bonito para mim do que qualquer começo. Eu te amo e sempre te amarei. Com carinho.

Senhor,
Existe em mim uma fonte infinita de amor.
Amor a ti,
amor à minha família,
amor à natureza,
amor ao próximo
e amor ao meu amor.
Eu amo e sou amada
e assim sou feliz.
Senhor,
ilumina a alma do meu amor,
acalme seu coração,
liberte-o da angústia e da solidão,
pois junto com o Senhor, eu também estou aqui.
Sempre estarei.
Senhor,
direciona nossos passos na sequência certa
para uma união feliz.
Que a onipotência de Sua mão se estenda sobre nós,
nos abençoando hoje e sempre.
Amém.


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sutilezas

No verso
na prosa
tão calejados de falar
o amor é isso
ou aquilo...
nenhuma palavra desgastada
explica o frio na espinha
quando recordo a menina
que esvaziou o mundo
e encheu meu interior
com o sentido
de todas as coisas.
Nas estrofes
nos parágrafos
tão empenhados em definir
o amor é isso
ou aquilo
aquele outro...
balela!
diante da ausência
da mão nos meus cabelos
da solidão do quarto vil
da vastidão da cama de solteiro
sem ela.
Por isso digo
amor, amor, amor, amor...
e amor
chamar-te pelo que sinto
não te traz de volta
mas te beijo
na minha boca aberta - A
que depois,
em lábios semicerrados,
se fecha - MOR
e despejo no mundo
sem pudor
a imensidão de tudo
que vale à pena
contida em seu nome,
amor.
Nenhum
dos que te rodeiam
tem o direito
de te causar dor
até que se prove o contrário
e a dor pretendida
transmute-se em riso
e ele será livre
para te dar
o que outrora
seria penar.
Sorriso.
Lindo. O seu.
Nenhum
dos que me rodeiam
nunca saberá
do que em mim vive
e quisera eu
ter a dimensão
do que aqui guardo
até que não mais serei capaz
e então me reinventarei
para amar-te d'outro modo,
d'outro jeito.
Você, menina
olhos doces
não merece outra coisa
senão
o coração mais nobre
o colo mais quente
a boca mais sincera
o choro mais livre
e a mão mais firme
para te fazer companhia
numa noite dura
em que
a esperança da vida
resolveu se esconder
virando a esquina.
Mas
ainda no tema mais gasto
por toda a humanidade
em que todos aventuram-se
a falar sobre
amor é isso
aquilo, aquel'outro...
deixo de lado
as limitações da forma
os ditames do estilo
para amar-te como posso
seja no verso,
na prosa
na alma
ou no beijo das sílabas.

domingo, 21 de julho de 2013

3ª carta






Se algum dia nos reencontrarmos em outra vida, por favor, seja minha vizinha de porta, venha morar ao meu lado ou coloque um anúncio procurando uma colega de quarto no jornal que eu tenha o hábito de ler.

Se algum dia nos esbarrarmos novamente, sorria quando por mim passar que somente pelo seu sorriso eu a reconhecerei do tempo que vivemos agora e darei um jeito de te chamar de volta, de caminhar ao seu lado, de tomarmos um café.

Se noutra época sentarmos ao lado uma da outra num ônibus, metrô ou avião, tomara que a bateria de nossos celulares ou qualquer aparelho de distração esteja esgotada e que você, sem perceber, descanse sua cabeça no meu colo quando cochilar. Tomara que ao desembarcarmos, achemos graça na aparente coincidência de termos como destino o mesmo quarteirão.

Caso você cruze meu caminho em outro momento, não me ache brega demais por eu continuar sendo tão apaixonada quanto hoje e nem tenha se desiludido com as pessoas o suficiente para desacreditar nas minhas palavras quando eu lhe revelar que "parece que eu te conheço de outra vida".

Se Deus não entender pelo nosso reencontro, que Ele tenha o cuidado de reunir no seu presente a felicidade que ele reservou para todos os meus dias, mas se Ele optar pelo contrário, rogo para que você fique e que eu envelheça ao seu lado, porque te perder seria muita covardia.

Cometo o abuso de te pedir que, se noutra história estivermos juntas, você não me tire dos seus braços e me proteja de tudo que poderia colocar fim àquela vida, onde seus beijos são meu sopro de alegria, são meu pão de cada dia. Me agarre forte e nunca mais me solte.

Mas caso assim não o seja, já lhe asseguro que você não desaparecerá - não você, que em tudo está. Caso eu não volte a te abraçar, naquela outra vida você simplesmente existirá para mim sob outra forma, anatômica ou celestial, ocupando todo o meu coração ou ouvindo as preces que falam sobre o amor infinito que sinto por um anjo.