segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sutilezas

No verso
na prosa
tão calejados de falar
o amor é isso
ou aquilo...
nenhuma palavra desgastada
explica o frio na espinha
quando recordo a menina
que esvaziou o mundo
e encheu meu interior
com o sentido
de todas as coisas.
Nas estrofes
nos parágrafos
tão empenhados em definir
o amor é isso
ou aquilo
aquele outro...
balela!
diante da ausência
da mão nos meus cabelos
da solidão do quarto vil
da vastidão da cama de solteiro
sem ela.
Por isso digo
amor, amor, amor, amor...
e amor
chamar-te pelo que sinto
não te traz de volta
mas te beijo
na minha boca aberta - A
que depois,
em lábios semicerrados,
se fecha - MOR
e despejo no mundo
sem pudor
a imensidão de tudo
que vale à pena
contida em seu nome,
amor.
Nenhum
dos que te rodeiam
tem o direito
de te causar dor
até que se prove o contrário
e a dor pretendida
transmute-se em riso
e ele será livre
para te dar
o que outrora
seria penar.
Sorriso.
Lindo. O seu.
Nenhum
dos que me rodeiam
nunca saberá
do que em mim vive
e quisera eu
ter a dimensão
do que aqui guardo
até que não mais serei capaz
e então me reinventarei
para amar-te d'outro modo,
d'outro jeito.
Você, menina
olhos doces
não merece outra coisa
senão
o coração mais nobre
o colo mais quente
a boca mais sincera
o choro mais livre
e a mão mais firme
para te fazer companhia
numa noite dura
em que
a esperança da vida
resolveu se esconder
virando a esquina.
Mas
ainda no tema mais gasto
por toda a humanidade
em que todos aventuram-se
a falar sobre
amor é isso
aquilo, aquel'outro...
deixo de lado
as limitações da forma
os ditames do estilo
para amar-te como posso
seja no verso,
na prosa
na alma
ou no beijo das sílabas.

domingo, 21 de julho de 2013

3ª carta






Se algum dia nos reencontrarmos em outra vida, por favor, seja minha vizinha de porta, venha morar ao meu lado ou coloque um anúncio procurando uma colega de quarto no jornal que eu tenha o hábito de ler.

Se algum dia nos esbarrarmos novamente, sorria quando por mim passar que somente pelo seu sorriso eu a reconhecerei do tempo que vivemos agora e darei um jeito de te chamar de volta, de caminhar ao seu lado, de tomarmos um café.

Se noutra época sentarmos ao lado uma da outra num ônibus, metrô ou avião, tomara que a bateria de nossos celulares ou qualquer aparelho de distração esteja esgotada e que você, sem perceber, descanse sua cabeça no meu colo quando cochilar. Tomara que ao desembarcarmos, achemos graça na aparente coincidência de termos como destino o mesmo quarteirão.

Caso você cruze meu caminho em outro momento, não me ache brega demais por eu continuar sendo tão apaixonada quanto hoje e nem tenha se desiludido com as pessoas o suficiente para desacreditar nas minhas palavras quando eu lhe revelar que "parece que eu te conheço de outra vida".

Se Deus não entender pelo nosso reencontro, que Ele tenha o cuidado de reunir no seu presente a felicidade que ele reservou para todos os meus dias, mas se Ele optar pelo contrário, rogo para que você fique e que eu envelheça ao seu lado, porque te perder seria muita covardia.

Cometo o abuso de te pedir que, se noutra história estivermos juntas, você não me tire dos seus braços e me proteja de tudo que poderia colocar fim àquela vida, onde seus beijos são meu sopro de alegria, são meu pão de cada dia. Me agarre forte e nunca mais me solte.

Mas caso assim não o seja, já lhe asseguro que você não desaparecerá - não você, que em tudo está. Caso eu não volte a te abraçar, naquela outra vida você simplesmente existirá para mim sob outra forma, anatômica ou celestial, ocupando todo o meu coração ou ouvindo as preces que falam sobre o amor infinito que sinto por um anjo.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

sala de espera com cadeiras azuis, em frente ao painel de LED

“Hay días en que la recuerdo y me pregunto: ¿Qué estará haciendo? Hay noches en que la extraño y me pregunto: ¿Qué me estoy haciendo?”

Sempre haverá um momento e somente um. Este instante crucial à sua vida e que modificará o que você havia interpretado dela até então e irá lhe colocar uma nova lente para tudo o que virá dali em diante. Este momento não será um emprego desejado, um bem almejado ou uma mudança de cidade. Ele será um encontro seguido de um abraço, um cumprimento simples num lugar pouco cerimonioso; este cataclismo será o minuto que terá como unidade de medida um beijo no rosto e no qual você perceberá a possibilidade do verdadeiro amor. E os desdobramentos deste momento poderão ser muitos: os dias poderão realizar o que sua alma projetou naquela fração ou não, ou a vida lhe frustrará com outros momentos menos intensos, mas mais maleáveis, menos densos, menos vibrantes... enfim, a vida não será longa o suficiente para algo que eternizou-se no espaço de um instante. Por isso eu lhe digo, sempre haverá um momento e o seu momento não necessariamente será o de quem o proporcionou. Entenda isso que algumas coisas ficarão esclarecidas e as demais... bem, as demais se esconderão no coração daqueles que nos provocam algo que transformará nossas vidas.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

apesar de.

- Não vai dar.
- E por que não?
- Porque eu já disse, não dá.
- Mas algum motivo deve haver, você namora?
- Não, não namoro.
- Então...?
- É mais.
- Mais?! Você já é casada?!
- Não, mais sério.
- Então não entendo nada.
- Não vai dar porque eu gosto de outra pessoa.
- Mas vocês estão juntas?
- Não.
- Eu não entendo você amar alguém que não está junto de você.
- Mas ela está. É que assim... ah, eu já vou indo, viu? Deixa um abraço pro pessoal.

Por um segundo de loucura, eu pensei explicar o que eu havia dito, mas a penúltima frase foi a deixa que minha testa esperava para espremer num único franzir toda o desprezo e incompreensão por aqueles dizeres e ir embora à francesa, sozinha e sem me preocupar com o taxímetro. Ao chegar em casa, antes de analisar as curiosidades daquela noite, especialmente o diálogo final, resolvi enfrentar o frio e tomar um banho escaldante enquanto fervia a água. A vermelhidão da minha pele era percebida mesmo no espelho inteiramente embaçado e ali mesmo, coloquei meu mais surrado e quente moletom para não constipar ao sair no vento gelado que dobrava o corredor, devido à janela aberta da área de serviço. Como era óbvio, a água equivalente a uma xícara havia evaporado totalmente enquanto eu me demorava lavando a cabeça, então enchi o bule com outra remessa para que ela ebulisse enquanto eu colocava minhas meias e tirava a umidade do meu cabelo com a toalha, na medida do possível. Abri o sofá e nele me deitei, rodeada por travesseiros e almofadas, devidamente coberta e, enquanto passava na TV algum programa sobre crocodilos do Rio Nilo (ideal para não roubar minha atenção, que já pairava sobre o que eu havia escutado há poucas horas e que havia me espantado mais por admitir quão recorrente era aquela ideia de amor expressada), comecei a tomar meu chá de capim cidreira. 


Não deixei de achar graça naquela lógica sentimental proposta pela minha interlocutora, pois então, segundo ela, casais que se veem nunca estariam passíveis de se separarem. Ri do disparate corriqueiro no qual nós incorremos ao tentar equacionar o amor em fórmulas científicas, quando o resultado que ele nos daria para um 2 + 2 seria batata. Entremeio a estas bobeiras, concluí que não compensaria me demorar naquele diálogo tentando me explicar, seja porque este sentimento não é condicionado e a procura de motivos o ofenderia, seja porque meu sofá já havia me seduzido em imaginação. Não deixou de ser curioso perceber o quão ininteligível aos olhos da maioria é amar alguém sem que não se tenha obviedades apoiando isto, não deixou de ser desanimador ver como é inconcebível para muitos amar apesar de. Nada há de estranho em dizer e reiterar que se ama alguém, desde que aquela relação esteja inserida em todas as convenções necessárias para se sustentar a frase "Eu te amo.", pouco importando se ela corresponde à realidade; há menos anormalidade em alguém que brinda com infidelidade ou deslealdade o amor que diz sentir pelo outro do que em escutar de alguém que se ama silenciosamente, independentemente do subsídio que muitos veem erroneamente como imprescindível ao amor: a presença, a reciprocidade, a prestação paga pelo outro. 

Amar alguém apesar de. significa conferir ao amor a autonomia que lhe é devida; amar alguém apesar de. o esteriliza das justificativas pretensas a darem lógica a sua existência e o emancipa de toda e qualquer influência. Eu senti pena da minha interlocutora naquele diálogo, mas não o suficiente para tentar explicar-lhe que o meu amor vive por si só, ou melhor, vive somente pelo fato de C. existir - e eu disse existência e não vivência, porque eu amo C. há tempos passados e já me antecipei aos futuros, amo-a há tanto e tanto que nossa vã filosofia não saberia estimar. Portanto, não a culpo por não ver sentido quando atribuí maior seriedade ao amor que sinto do que a qualquer materialização do compromisso social - namoro, casamento..., uma vez que a noção majoritária que se tem deste sentimento é um tanto quanto rasa pois nasce quando tudo está maravilhosamente bem encaixado, quando não há medo nem angústia, quando o fogo está no auge e quase tão facilmente como respirar sai da boca o "Eu te amo". Não que o amor necessite de dificuldades para se reafirmar (isso contrariaria o que eu disse logo acima, a respeito de sua autonomia), mas ele seria desnecessário num contexto em que somente a paixão daria conta de sustentar duas pessoas juntas - e está aí a origem da confusão: verbalizar amor quando não se ama apesar de. 


Bem acomodada no sofá, eu poderia ter empreendido uma cruzada para esclarecer tudo isto àquela moça, mas eu não converso sobre este assunto nem com meus amigos, que dirá com estranhos, e ficar ali em casa estava muito mais gostoso do que na rua. Além disso, seria muito dispendioso explicar a alguém que um amor da vida só o é se ele dura uma vida inteira e ainda assim ele seria pouco perto de um amor que é de todas as suas vidas. Seria difícil fazê-la entender que embora eu não estivesse com C., em nenhum momento ela estará sozinha. Seria complicado demais explanar que eu amo C. porque aos olhos dos outros não há razão para que eu a ame; seria realmente penoso demonstrar-lhe que eu amo C. não porque dela espero algo, mas tão somente porque, apesar dos olhos dos outros, seus olhinhos negros são os únicos que me importam.


Coloquei a caneca no chão e peguei no sono.





Saudades! Sim... Talvez... e porque não?... 
Se o nosso sonho foi tão alto e forte. 
Que bem pensara vê-lo até à morte. 
Deslumbrar-me de luz o coração! 

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão! 
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte.
Deve-nos ser sagrado como o pão! 

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim: 
Quanto menos quisesse recordar. 
Mais a saudade andasse presa a mim!