Era
hábito, depois de duas ou três vezes fazendo aquele caminho, escolher uma das
primeiras poltronas localizadas na janela, na fileira que se alongava atrás
do motorista. Eu procurava comprar o bilhete para aqueles lugares que eram
saídas de emergência, pois ela havia me chamado atenção para o fato de que
esses assentos eram mais espaçosos, mas nem sempre estavam disponíveis; a opção
por eles nada tinha a ver com precaução, mas tão
somente com o conforto maior que me proporcionariam ao longo das oito
horas de viagem, e a insistência em viajar nas fileiras da esquerda era porque
eu sentia enorme prazer ao ver a cidade onde ela morava surgindo ao longe, por entre
algumas montanhas, mas que primeiramente anunciava-se sob uma nuvem opaca de luzes
(quando à noite).
Desde
o apontamento dos prédios no meu campo de visão a chegar à rodoviária,
passavam-se cerca de cinquenta minutos, mais longos do que as precedentes sete
horas já trilhadas – e mais rápidos do que os quinze minutos dentro do metrô
até chegar ao seu apartamento. Não foram raras as vezes em que ela foi me
buscar no terminal, mas eram mais prazerosas as que ela se mantinha em casa
enquanto eu fazia o interminável trajeto de termináveis minutos para encontra-la,
e por um único motivo: era indescritível a sensação de vê-la em trajes
despojados, fresca pelo banho recém-tomado, e me deitar em cima dela enquanto a
beijava sorrindo.
Por
algumas vezes eu tentei enganá-la dizendo estar mais distante do que realmente
me encontrava, sádico prazer de afligi-la por mais tempo quando minha chegada
inesperada acabaria com sua ansiedade. Em todas as vezes eu desci no lado
errado da estação e ia parar do outro lado da avenida na qual estava
sua casa, demorando realmente quase o tempo mentirosamente estimado, pois minha
ansiedade em vê-la logo era quem me pregava a peça.
Os
dias que se seguiam não diferiam daqueles passados por casais apaixonados e que
moram longe, mas como todos pensamos ser único e superior o amor que vivemos,
talvez fossem os nossos mais doces do que os dos demais por nos darmos muito bem
em todos os campos afetivos, como o da amizade e do companheirismo, e principalmente porque eu a amava além da compreensão.
As
despedidas, existiram todas, menos a última.
***
Embora
eu já tenha empregado inúmeras vezes a frase “Estou com saudades”, poucas foram
aquelas que eu realmente as sentia. Excluindo destas experiências aquelas
relacionadas aos meus pais, as saudades que senti por alguém resumia-se a um
lânguido filetinho de água gotejando lembranças em meu cérebro e se evaporando antes mesmo de chegar ao coração, incapaz de
me inundar como foi quando eu as senti pela primeira e única vez, por ela, quando eu realmente transbordei.
Não
trato aqui das saudades imediatistas, presentes na distância que nos separava
ou logo após nosso término. Essa última, aliás, era insuportável, é fato,
mas estava imiscuída em fatores externos como a quebra da rotina, os ciúmes
pela falta, a ausência do verbo. Essa última todo mundo sente. As saudades da
qual falo surgiram quando não mais razão eu tinha para senti-las, fosse pelo tempo passado e dito suficiente para esquecê-la, fosse pela ausência de perspectiva em reencontrá-la.
Sentimentos,
como o próprio nome já sugere, somente o são quando tangem os nossos sentidos,
senão não passam de algo abstrato e tênue. Eu dizia sentir saudade de alguém, mas
aquilo nada mais era que o incenso de alguma memória na minha cabeça, incapaz
de tangenciar meus sentidos ou fazer-se sentir em meu coração. Não era sentido,
logo não era um sentimento e, por conseguinte, impossível de ser saudade.
Quando
eu me vi completando um ano sem encontra-la percebi que não possuía mais
nenhuma razão para sentir sua falta tamanho o tempo que já estávamos sem nos
ver e que possuía todas as mundanas prerrogativas para esquecê-la. As saudades que por ela eu sentia não
passaram a partir de então a serem credenciadas como tal, mas somente
entendidas, pois pela superficialidade do óbvio e do efêmero era incompreensível que mesmo depois de tantos dias eu sentisse uma visceral dor quando ia dormir somente por me lembrar de quando eu a
cheirava na curva do rosto onde se escondia seu cheiro ou de como era bom beijá-la. Entendi que, enfim! –
e não sei se por mal ou por bem – eu sentia saudades de alguém e que a falta física foi uma fracassada tentativa de amputar de meu coração a sua presença etérea-e frustrada porque eu continuaria a sentir o
formigamento da sua existência ainda que não mais houvesse a razão palpável
para isso.
E de
forma inexplicável e paradoxal, quando não mais existiu em mim a matéria na
qual se esbarraria e faria se detectar a saudade, eu senti em meu coração sua doce e
inarredável presença, enfatizada ainda mais durante as noites em que desejei tê-la ao lado dormindo em meu braço. Após ter o aval do tempo e
das circunstâncias para não mais sentir a sua falta, eu percebi que sua existência, sorridente, suave e amável, continuaria a descansar tranquilamente sob a sombra do meu coração,
ainda que mais mil anos de esquecimento reluzissem buscando ofuscá-la.
"Ama-me. É tempo ainda, interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas."