domingo, 16 de junho de 2013

2ª carta

Portando uma revista de palavras-cruzadas, sentei-me na Praça da Liberdade essa semana, pois julgava estar pronta para tanto. Ao me acomodar num barquinho, perto do coreto, e começar a desvendar os quadradinhos, todo tipo de recordação passou por mim, desde o passeio com seus pais na cidade deles ao sono que você tirou no meu colo quando fomos juntas de São Paulo visitá-los. Ainda existem momentos que vivemos e que ainda são inéditos enquanto lembranças, então eu os descubro pela primeira vez como uma memória e meu coração só falta explodir. Depois de tanto tempo sem nos falarmos, eu senti uma dor muito grande, como se fosse o primeiro dia após a ruptura, e por isso fui àquele lugar nesta semana tentar te visitar em pensamento. Às vezes eu sinto dificuldade em me situar na realidade que se impôs sem a sua presença, me dói os dias sem a esperança que até pouco tempo me fazia acreditar que n'algum momento voltaria a dar certo, mas é desse modo que as coisas estão e no final das contas, eu sempre terei boas coisas para me reconciliar com você dentro de mim.

Ao caminhar de volta para casa, eu vi que inauguraram um restaurante acanhado, mas bem bonitinho, perto ali de onde moro. Queria te dizer que eu senti muita vontade de te levar lá. Ele era estilo italiano, com mesas cobertas por forros quadriculados, decoradas com uma garrafa de vinho que possuía uma vela no bico, bem clichê. A luz era muito baixa e se não fosse pelo ambiente romântico, remeteria um quê de lúgubre, mas era aconchegante demais para qualquer tristeza. Por serem muito estreitas, as mesas permitiriam que sentássemos de frente uma para a outra e não tivéssemos qualquer dificuldade em ficar de mãos dadas, mas ainda assim eu preferiria ficar ao seu lado. Ao passar por este lugar, eu refleti sobre o tempo que não nos encontramos e pensei na última vez que nos vimos... pensei em como foram poucos os beijos que te dei perto da quantidade de lugares no mundo que existiram sem que a eles eu a apresentasse. 

Continuei meu caminho para casa e ao passar pela Igreja de Lourdes, comprei uma pipoca de uma senhora que ali em frente estava. Poxa, eu gostava tanto da sua simplicidade para certas coisas, sabia? Como quando você queria um milho verde de um vendedor ambulante ou quando você saía de casa de chinelos, sem muito fricote, bonita por si só. Era muito bom o modo como me sentia à vontade ao seu lado e você ficaria muito feliz ao saber que essa dona, além de pipoca, vende aqueles pirulitos de açúcar que você detonava um saquinho em série. Comprei uns três (ela vende a unidade) e fui para casa. 

Tomei um banho e me deitei na cama, peguei uma caneta, a revistinha e coloquei um pirulito na boca. Neste momento, foi como se meu peito se comprimisse em uma caixinha de fósforo e eu me levantei imediatamente, ainda com os cabelos molhados e despenteados, e sentei-me na beira da cama.Como se estivesse dentro de um avião em queda livre, abaixei minha cabeça até aos joelhos e respirei fundo (e me dei conta que quem faz aqueles catálogos de companhias aéreas sabe mesmo acalmar os outros). Me desfiz das palavras-cruzadas e do doce porque, sabe... apesar de algumas lembranças não mais me tirarem o fôlego, muitas outras coisas que passamos (a maioria delas, aliás) ainda não se reduziram à memórias. Como se tomassem exemplo da rebeldia que eclodiu nesse junho, elas sobrevivem à descrença e eu, que sempre fui fã de barricadas, não as reprimo porque mesmo que lide bem com alguns pensamentos, outros cheiros, lugares, gestos e gostos não se conformaram com o fato de que não mais serão realidade e se insurgem contra o esquecimento.

Você é forte demais em mim.

Com amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário