quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sobre delicadeza e sensibilidade. E amor.


Delicadeza e sensibilidade são faculdades humanas prescindíveis à existência do amor – porque este é estéril, vive por si só, autossuficiente como nem na Alta Idade Média se conseguiu ser. Delicadeza e sensibilidade são dispensáveis, mas sem eles o amor vive rondado pelo egoísmo, como um animal noturno, traiçoeiro, arisco. Por ser tão nobre, é natural que o amor esteja sob a espreita destas desonras, pois é sempre assim com o que é limpo: não se tenta corromper o que está poluído, a satisfação da nossa fração ruim está em ver cair o que é digno.
Mas voltando à delicadeza e à sensibilidade. Elas blindam o que há de bonito no coração; não oferecem garantias e nem são invioláveis, mas protegem, cultivam nossas melhores emoções e repelem as peçonhas como animais também noturnos, mas honrados, que têm olhos nas periferias e enxergam tudo o que se passa. Delicadeza e sensibilidade são sentimentos que não recebem o valor que merecem, diferentemente do orgulho, superestimado, ou da razão, necessária, porém imperativa demais; cultivá-las é essencial para que a esperança mantenha-se familiarizada com nossas perspectivas, porque planos desesperançosos não passam de burocracia. Deve-se prezar aqueles que são delicados e sensíveis por natureza, porque o passar dos anos tem a péssima capacidade de nos tornar cada vez mais embrutecidos, calcificados, cansados.
Vou lhe contar que certa vez conheci uma pessoa muito sensível e delicada, e tão amorosa quanto. De tão bonita que se mostrou, a existência dela para mim não mais é tátil, não mais está no plano visível. Esta menina – sim, era uma menina linda – conseguiu fazer com que sua existência não  mais dependesse de fatores externos, de nenhuma troca ou correspondência. Ela elevou-se sobre tudo o que é percebido pelos sentidos básicos e cultivou-se dentro do meu coração; sua presença em mim lapidou minha sensibilidade e minha delicadeza, exorbitou meu amor, e hoje meus quatro cantos – de um coração angular – são cuidados por vigilantes de atenção incansável e coragem irresistível. 
Cora Coralina disse que coração é terra onde ninguém pisa. Não poderia estar mais correta, não poderia ter sido mais perfeita em sua colocação. Coração é terra arisca, selvagem e como tal, só pode ser guardada por aqueles que ali sabem viver. Sensibilidade e delicadeza são dele nativas, todos nós as possuímos, assim como há por aquelas bandas o egoísmo. O que faz com que os sentimentos bonitos sobrepujem os daninhos é o quanto de amor em nós consiga crescer, porque semear não basta.
Sabe aquela menina da qual eu lhe falei? Pois então, eu não faço ideia do que se passa em seu coração. A única coisa que o permeou, que conseguiu crescer cercada por aquela sensibilidade e delicadeza que vigiam os seus limites, foi o meu amor – e ele somente ali despontou  porque foi pelos seus guardas noutras épocas bem-vindo, pois sem que aqueles animais - postados para proteger nossa imensidão - permitam, nada fecunda.
Existe alguém que vai contrariar seu coração inóspito um dia, mas ele continuará lá não pisando, porque nada naquela imensidão entra (Coralina não estava errada, tão sensível e delicada era, ela não poderia estar errada). O que acontecerá é que esta pessoa, assim como foi comigo, entenderá aquela selva como sua casa e a embelezará; esta pessoa avivará o amor que você guardou por ela dentro do seu solo, sem saber que o fazia e assim como um pezinho de feijão desponta da semente rígida com as gotas d’água, este amor, forte e bonito, arrebentará o seu chão, deixando você à época dos sentimentos em flor. Além de ser terra onde ninguém pisa, coração é terra onde muito se semeia e pouco floresce. 


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