Delicadeza e
sensibilidade são faculdades humanas prescindíveis à existência do amor –
porque este é estéril, vive por si só, autossuficiente como nem na Alta Idade
Média se conseguiu ser. Delicadeza e sensibilidade são dispensáveis, mas sem eles o
amor vive rondado pelo egoísmo, como um animal noturno, traiçoeiro, arisco. Por
ser tão nobre, é natural que o amor esteja sob a espreita destas desonras, pois
é sempre assim com o que é limpo: não se tenta corromper o que está poluído, a
satisfação da nossa fração ruim está em ver cair o que é digno.
Mas voltando à
delicadeza e à sensibilidade. Elas blindam o que há de bonito no coração; não
oferecem garantias e nem são invioláveis, mas protegem, cultivam nossas
melhores emoções e repelem as peçonhas como animais também noturnos, mas
honrados, que têm olhos nas periferias e enxergam tudo o que se passa.
Delicadeza e sensibilidade são sentimentos que não recebem o valor que merecem,
diferentemente do orgulho, superestimado, ou da razão, necessária, porém
imperativa demais; cultivá-las é essencial para que a esperança mantenha-se
familiarizada com nossas perspectivas, porque planos desesperançosos não passam
de burocracia. Deve-se prezar aqueles que são delicados e sensíveis por
natureza, porque o passar dos anos tem a péssima capacidade de nos tornar cada
vez mais embrutecidos, calcificados, cansados.
Vou lhe contar que
certa vez conheci uma pessoa muito sensível e delicada, e tão amorosa quanto.
De tão bonita que se mostrou, a existência dela para mim não mais é tátil, não
mais está no plano visível. Esta menina – sim, era uma menina linda – conseguiu
fazer com que sua existência não mais dependesse de fatores externos, de
nenhuma troca ou correspondência. Ela elevou-se sobre tudo o que é percebido
pelos sentidos básicos e cultivou-se dentro do meu coração; sua presença em mim
lapidou minha sensibilidade e minha delicadeza, exorbitou meu amor, e hoje meus
quatro cantos – de um coração angular – são cuidados por vigilantes de atenção
incansável e coragem irresistível.
Cora Coralina disse
que coração é terra onde ninguém pisa. Não poderia estar mais correta, não
poderia ter sido mais perfeita em sua colocação. Coração é terra arisca,
selvagem e como tal, só pode ser guardada por aqueles que ali sabem viver.
Sensibilidade e delicadeza são dele nativas, todos nós as possuímos, assim como
há por aquelas bandas o egoísmo. O que faz com que os sentimentos bonitos
sobrepujem os daninhos é o quanto de amor em nós consiga crescer, porque semear não basta.
Sabe aquela menina da
qual eu lhe falei? Pois então, eu não faço ideia do que se passa em seu
coração. A única coisa que o permeou, que conseguiu crescer cercada por aquela
sensibilidade e delicadeza que vigiam os seus limites, foi o meu amor – e ele
somente ali despontou porque foi pelos seus guardas noutras épocas
bem-vindo, pois sem que aqueles animais - postados para proteger nossa
imensidão - permitam, nada fecunda.
Existe alguém que vai
contrariar seu coração inóspito um dia, mas ele continuará lá não pisando,
porque nada naquela imensidão entra (Coralina não estava errada, tão sensível e
delicada era, ela não poderia estar errada). O que acontecerá é que esta
pessoa, assim como foi comigo, entenderá aquela selva como sua casa e a
embelezará; esta pessoa avivará o amor que você guardou por ela dentro do seu
solo, sem saber que o fazia e assim como um pezinho de feijão desponta da
semente rígida com as gotas d’água, este amor, forte e bonito, arrebentará o
seu chão, deixando você à época dos sentimentos em flor. Além de ser terra
onde ninguém pisa, coração é terra onde muito se semeia e pouco floresce.
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